crônica de uma neve anunciada

Corram para suas casas. Nevasca a caminho! Não esqueça de estocar o vinho.

frase de Marina Doce

E lá vem ela. Só se fala nela. Falta d’água? Crise energética? Tarifa a 3,50? Não, ela a nevasca! Há rumores de que até lá no calor dos trópicos falaram dela. Talvez pra esfriar a cabeça. Esfriar a cabeça. Caminhada durante a tempestade de neve. Conversa casual durante a tempestade de neve:

– Com o que você trabalha mesmo?

– Diversidade de plantas em florestas tropicais

– Ah, sim, agora entendi porque você veio parar aqui no Maine, a meca dos trópicos

Não importa o caminho que eu siga. Sempre cruzarei com ironias. Da série perguntas que já ouvi: Do you have snow days in Brazil? Impera nessas terras do Norte a noção de que tudo que aqui acontece acontece também no resto do mundo. Michael Jackson aconteceu. Filmes da Disney aconteceram. Lanches do McDonalds aconteceram. Mas snow days? Não. Não acontece no resto do mundo e particularmente numa região chamada Trópicos é bem raro. Então não tem nem neve no seu país? Tem neve de algodão dentro do shopping como decoração de Natal. Então no Natal do Brasil não tem neve? Mas vocês comemoram o Natal no Brasil? E você disse que dia de ação de graças não se comemora, mas Natal você está dizendo que sim. Não tem neve mas tem Natal? Nossa, aqui deve ser mesmo muito diferente pra você.

Alerta vermelho. Previsão: 24 h de neve. Ventos uivantes. Não sair de nariz descoberto. Cobrir as orelhas. Jamais sair com as pontas dos dedos expostas. Estocar alimento suficiente para três dias. Ih! Não deu tempo de ir ao supermercado. Compra relâmpago pré-tempestade no mercado em Orono: vinho, mix de folhas e queijo. Tudo que o dinheiro do bolso podia pagar e a mochila carregar. Calma mãe. Depois peguei uma carona e fui ao supermercado comprar mais comida. Vagem, ovo, açúcar, earl grey. Mencionei que comprei mais queijo? Ah, e azeite. Embora eu ainda tivesse meia garrafa. Pode me chamar de pessimista, mas meia garrafa de azeite pra mim é como um meio vazio. Calma mãe. Juro que minha despensa estava cheia de outras coisas também.

Nevasca. Hora 6 de 24. Ventos uivantes. Hora 12 de 24. Bolo de chocolate para esquentar a cozinha (receita aqui). Hora 13 de 24. Alimento uma raiva do forno elétrico que queima o topo do bolo mas não assa o interior. Hora 13,2 de 24. Bolo assado com topo queimado. Nada que uma calda de chocolate não salve (momento triste em que lembro que o bolo acabou). E segundo Steve, meu amigo de casa: nada que um sorvete de baunilha não salve (momento prazeroso em que lembro que o sorvete não acabou). Hora 13,3 de 24. Ir até o centro da cidade comprar sorvete. Não há tempestade de neve que impeça uma conveniência de posto de abrir. Nota: aparentemente tempestade de neve não impede a cervejaria local de abrir. Nota: jamais sair na tempestade de neve apenas com o dinheiro do sorvete. Foco. Hora 13,4 de 24 agradeço à Orono, cidade civilizada, por vender sorvete de baunilha de qualidade na conveniência do posto. Hora 14 de 24. Todos os moradores não alérgicos a glúten e lactose comem bolo de chocolate com cobertura de chocolate, sorvete de baunilha e calda de framboesa (cortesia da amiga de casa Rachel). Hora 14,1 de 24. Todos os moradores alérgicos a glúten choram em seus quartos. Desafio: descobrir uma receita de sobremesa deliciosa sem glúten ou derivados do leite que todos os moradores da casa branca na avenida da Floresta possam comer. Aceito sugestões!

Nevasca. Hora 24 de 24. A neve não parou. Mas o snow day off foi ontem. Hoje todas as vidas voltam ao normal. Não teve tanta neve como previsto. O vento não uivou como previsto. Não faltou luz como previsto. Não perdi o nariz. Não precisei usar todo o azeite estocado. Mas o estoque de vinho ficou desfalcado. O de queijo também. O correio não veio no dia da nevasca. Mas o correio veio no dia seguinte. E eu tenho que terminar contando que eu tenho um grande amigo, o Rodrigo. O Rodrigo é assim que nem eu, acredita que um bom misto quente é aquele que você passa manteiga do lado de fora do pão e faz no tostex de ferro na chama do fogão. O Rodrigo gosta de tomar cerveja depois de um dia cheio. O Rodrigo também gosta de tomar cerveja depois de um dia vazio. O Rodrigo é aquele cara que sempre tem uma história de uma dificuldade que ele passou para fazer os amigos rirem. O Rodrigo me tirou no amigo secreto de cartões postais da nossa turma. O Rodrigo assim como eu teve muita dificuldade para postar o cartão postal no posto do correio. Eu só não fui a última do grupo a postar porque o Rodrigo estava no grupo. E finalmente no dia em que as vidas voltam ao normal eu fui surpreendida pelo postal do Rodrigo. E depois de sobreviver à neve anunciada deixo aqui minhas recomendações de sobrevivência: bolo de chocolate e vinho. E amigos.

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